sábado, 7 de dezembro de 2013

Sinto dor todos os dias.
Isso me modificou.
Virei uma pessoa mais fria. 

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Notas sobre uma doença invisível III

Tenho lido muito, pensado muito. Não lembro há quantos anos tive tantos momentos de introspecção. Não lembro também há quantos anos me sentia tão próxima da minha mãe. Descobrir-me doente me trouxe, apesar de tudo, coisas muito boas. Gostos que gosto de desfrutar lentamente, pouco a pouco, na boca.
Tenho unido forças pra voltar à rotina. Tenho preparado a mente e o corpo pra me adaptar a vida de antes, mas diferente do que eu era.
O corpo cansado pede trégua. Há dias melhores, há dias piores. Entre aprender a conviver com a dor e redescobrir meu próprio corpo, eu me descobri muito mais forte do que sempre pensei ser e é por isso que sigo. Amanhã é um novo dia e é preciso estar forte pro que tiver que ser. E o que tiver que ser, será.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Notas sobre uma doença invisível II

Hoje foi o dia em que todas as dores e náuseas já tão familiares nesses quase dois meses fizeram sentido. Foi hoje o dia em que descobri o que tenho. Ileíte. Depois de descartadas tantas possibilidades, tantos exames feitos, tantos possíveis graves diagnósticos, hoje tive um diagnóstico definitivo. Hoje confirmei pra mim e pro mundo que tudo isso que eu sentia não era invenção da minha cabeça. Eu, um dos casos mais complexos que meu médico já teve - segundo ele. Porque nada é pior do que convencer alguém de que se sente dor. Mais do que isso: nada é pior do que teu médico dizer que não entende porque tu sente dor. Hoje o mundo voltou a sorrir, voltou a fazer sentido.
Eu nunca senti tanto medo de abrir um envelope, pedi pro meu médico abrir e foi como se meu ser voltasse a órbita. Eu sei que é impossível ter a vida de dois meses atrás de volta porque muita coisa aconteceu, muita coisa me fez diferente e nem eu mais sou a mesma. Não sei quantos anos envelheci nesses últimos dois meses, mas me vi muito mais adulta e forte do que eu imaginei ser.
Melhor do que ter alta hospitalar é saber o que se tem. Hoje vou deitar a cabeça no travesseiro e dormir sossegada. Não quero a minha vida de dois meses atrás de volta, só quero ficar bem outra vez, fazer tudo que eu fazia outra vez e sei que isso tá cada vez mais perto. Pode ser que seja pra toda a vida, pode ser que eu tenha crises, pode ser que sempre precise de medicação, mas aquele engodo passou. O choro contido e guardado na garganta desde a última internação, duas sextas-feiras atrás, foi embora.
Agora é hora de florir primavera e esperar o verão chegar aqui dentro.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

conversas hospitalares III

- E onde tu te alimenta na faculdade, Aline?
- RU, Restaurante Universidade.
Risos.
- Porque ri, doutor?
- Conheço bem como é essas coisas... Se eu fosse tu, por enquanto, evitava comer lá. Teu organismo tá frágil, teu estômago não tá legal.
- Ainda bem que quando a vigilância sanitária interditou eu tava internada.
- Sério isso?
- Sério.
- E na mídia não sai, né...
- Claro que não.

E se segue uma conversa sobre o papel da mídia, o sucateamento universitário e a situação dos RU's na UFRGS.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

ontem, na minha sexta visita ao médico dentro de um mês, esperando pra ser atendida na sala de espera do ambulatório do hospital, me deparo com uma menina no auge dos seus 17 anos prestes a fazer vestibular pra geografia. papo vai, papo vem, descubro que ela ia tirar os pontos da mesma cirurgia que fiz há um mês atrás. eis que ela me pergunta:
- e porque tu escolheu fazer letras?
nem lembro o que respondi, mas sei que não adiantaria responder nada.
nunca pensei que uma conversa na sala de espera do consultório médico fosse me fazer pensar tanto na vida. também não sabia que, no fundo, tinha tantas saudades dos meus 17 anos.
quanto ao porquê de ter escolhido as letras: desde ontem eu mesma me faço a mesma pergunta e ainda não achei uma resposta suficiente.

sábado, 5 de outubro de 2013

Atravessei setembro entre dias de chuva e frio e de calor e esquecimento. Não sei o quanto o sofrer influi em nossa abstração do mundo exterior, mas não vi o tempo passar. Sei que passou. Um mês atrás, um mês e tudo mudar.
Do inverno se fez primavera. Não vi vi os ipês florirem, nem senti o cheiro doce do polén pelas ruas. Do lado de cá, ouvi os sabiás cantarem e anunciarem a vida nova.
Eu, ainda limitada, queria apenas pedalar minha bicicleta pelas ruas da cidade, sentir o vento no rosto, o calor do sol na pele e celebrar a imensidão da tarde de sábado que vem, mas que não me invade daqui do lado de trás da janela.
Me senti pela primeira vez na vida só, impotente. Nos piores momentos, me vi sozinha. E a vida é isso mesmo, não é? Senti medo, confesso. Não tenho medo da dor, sou corajosa - é o que dizem, sempre. Não sei se acredito nisso, a menos que ser corajosa não significar que me rendo. Nos meus vinte quase vinte e um anos, não acredito em sorte. Queria pensar em justiça, em igualdade, mas não consigo. E um porque ecoa aqui dentro por alguns momentos, em outros penso no sentido disso tudo e quando percebo já perdi o fio da meada.
O mundo visto por dentro dos muros do hospital tem outro ritmo, parece. As horas, os dias, o silêncio passam todos diferente. Não sei se é porque a fragilidade da vida nos faz repensar muitas coisas, ou tudo isso é uma questão de prioridades.
Mas eu sigo, se for pra seguir. Mais forte do que nunca, foi o que prometi.

Alguns abraços, desde então, tem sido mais quentes, outros mais fortes, todos mais apertados. E as palavras mais sinceras.

Não tenho medo da dor. Tenho medo é da tristeza, de seguir sozinha.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

conversas hospitalares II

Ainda sobre os pontos & as cicatrizes:
- Tu gosta de praia, né?
- Gosto, bastante.
- Eu vi. E vai ser um problema...
- O que, doutor?
- Ficar três meses sem pegar sol nessas cicatrizes.
- Ah, se bem que três meses é janeiro. (Fazendo as contas com a mão.)
- Se pegar sol usa protetor cinquenta nelas, principalmente na grande, na do lado também, a do umbigo não precisa tanto...
- Mas o que tu viu, doutor?
- Vi essa marca de biquini aí. Ninguém tem marca de biquini em setembro, só quem gosta muito de praia.

conversas hospitalares I

Pós-cirurgia, retirando os pontos:
- Não olha nem se mexe - disse o médico.
Curiosa, não me mexi, mas olhei. Uma poça de sangue na região supra-pubiana, entre o umbigo e a vulva, quase transbordando.
- Vai doer um pouquinho...
- Hmm. Ai! Ah, nem dói tanto. Há coisas que doem mais.
- É, tipo tatuagem. Tu já fez tatuagem?
- Não, doutor. E o senhor tem tatuagem?
- Não. Se bem que agora vários homens se tatuam...
- Tem problema ser homem e ter tatuagem, doutor?
- Não, mas biologicamente, na resistência à dor, vocês,  mulheres, vão sempre ter vantagem.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013


setembro, quarenta graus em porto alegre em pleno inverno. horas de espera na emergência. dói aqui? dói. exames, exames. internação. mas o que eu queria era falar sobre como convenci um enfermeiro a me deixar tomar banho na sala de observação da emergência,
ou "o dia em que aline encarou a enfermaria"
- parafraseando "o dia em que dorival encarou a guarda".

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Inspirações III

amar o perdido
deixa confundido
este coração.

nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

as coisas tangíveis
tornam-se insensíves
à palma da mão

mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão.

(drummond)

- e ir aonde o vento for

das ironias da vida que compreendi nos últimos dias
ainda engasgo pensando no ritmo das coisas inexplicáveis e irremediáveis.
ainda exito na linha tênue entre o mundo onírico e o mundo real.
ainda, ainda.

há, nesse amontoado confuso de lembranças transpostas pro presente,
algo que me faz pensar se tudo está onde deveria estar.
ou, ainda, se eu estou onde deveria estar.
não sei, não sei.

como saber?

fecho os olhos e me coloco no tempo presente:
pessoas transpostas de lugar, tempo-espaço desconexo,
músicas descompassadas, o tempo voando.

a vida me fazendo me sentir pequena perto do universo
esse tão grande, tão sábio.
uma fita-cassete rebobinada e amassada,
em que a tela da tevê (minha retina, no caso), não reproduz a ordem exata dos fatores,
mas a ordem arbitrária daquilo que o mundo quer que eu veja, viva.

eu, tão pequena.
o universo tão imenso
noite adentro
lá fora.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Eu trabalhei no litoral catarinense como atendente de lan house por duas temporadas de verão seguidas. O trabalho me rendeu uma boa grana extra, além do contato direto com argentinos, uruguaios e demais hablantes de espanhol em férias. Do trabalho em si não sinto falta, muito menos da ausência de folgas, do tumulto e de descontar dois reais numa nota de cem. Mas se tem algo que faz falta são as pérolas que eu ouvia e que aconteciam muito por trabalhar diretamente com o público.
Eis que mexendo nos meus arquivos encontro essa daqui:

- Dónde hay un punto de taxi acá?
- Al lado el mercado
- Y cómo se llama?
- El punto de taxi?
- No, tu, nena.

(...)

sábado, 3 de agosto de 2013

Defensa de la alegría, Mario Benedetti

dDfender la alegría como una trinchera
defenderla del escándalo y la rutina
de la miseria y los miserables
de las ausencias transitorias
y las definitivas

defender la alegría como un principio
defenderla del pasmo y las pesadillas
de los neutrales y de los neutrones
de las dulces infamias
y los graves diagnósticos

defender la alegría como una bandera
defenderla del rayo y la melancolía
de los ingenuos y de los canallas
de la retórica y los paros cardiacos
de las endemias y las academias

defender la alegría como un destino
defenderla del fuego y de los bomberos
de los suicidas y los homicidas
de las vacaciones y del agobio
de la obligación de estar alegres

defender la alegría como una certeza
defenderla del óxido y la roña
de la famosa pátina del tiempo
del relente y del oportunismo
de los proxenetas de la risa

defender la alegría como un derecho
defenderla de dios y del invierno
de las mayúsculas y de la muerte
de los apellidos y las lástimas
del azar 


y también de la alegría.











(o novo poema da minha vida)


um caderno na bolsa:
páginas amassadas, páginas arrancadas, páginas em branco
histórias mil do que poderia ter sido e não foi

tatear no escuro

analogias com um futuro a ser escrito
o que há de vir, o que há de faltar

a insustentável leveza de ser
- entrelinhas -

terça-feira, 21 de maio de 2013

True Love

- Eu nunca conheci, nunca falei, nunca estive com um garoto com quem eu pensasse em me abrir totalmente. Creio que o motivo de você estar com alguém é que pode conversar e contar tudo até quando está naquele pior momento... E mesmo assim ele gosta de você, conversa e se preocupa.
- Mas você não sente que encontrou alguém assim?
- Não, quem na minha idade encontra um amor e permanece com ele para sempre? Isso não acontece.
- Tudo na sua idade é complicado, vai achar alguém assim. No final disso tudo terá uma amizade, não?
- É isso que eu quero. Uma amizade verdeira com alguém. Alguém que possa confiar todos os meus segregdos, meus hábitos estranhos, minhas pequenas nerdices.

 ... E ainda assim ele me amar.

(Holly & Karen)


(para assistir online: http://www.seriesparaassistironline.com/2012/06/assistir-serie-true-love-online.html)

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Eu não sei porque um dia imaginei um final feliz pra nós dois.
Maio iniciava, as noites já começavam mais cedo e as folhas de outono já haviam caído quase todas. Era madrugada, o silêncio da apartamento invadia os corpos desde a calçada até o último andar do edifício.
Ela morava no nono. Nove andares de escadas sinuosas que um dia subiram juntos,  num outro flutuaram e tempos depois enfrentou sozinha novamente seus degraus.
Se hoje é silêncio que invade os corpos, outrora foi amor, outrora foi prazer, outrora foi tesão.
Porque nove andares de escada podem ser muito, como podem não ser nada.
E nada no mundo do tudo que poderia ter sido e não foi é tudo que se deixou pra trás, tudo que não se ousou dizer.

Podia haver uma história, mas se calou vezes demais. O que foi dito já nem faz sentido.

É só mais um motivo pra dizer que esse tal final feliz foi ter buscado outros finais felizes pra uma história sem fim e nem meio.


Ainda faz outono lá fora, outra vez.


A vizinha ainda ouve música clássica em horários impróprios.
O livro do Quintana ainda marca o poema do espantalho inútil.
As cinzas do incenso, ainda cinzas.

Não há espera, não há desilusão.
Inútil seria imaginar um final feliz pra quem nunca existiu.

domingo, 14 de abril de 2013

Inspirações II

você pode até dizer que eu tô por fora
ou então que eu tô inventando
mas é você que ama o passado
e que não vê que o novo sempre vem

Inspirações I

olhos nos olhos, quero ver o que você diz
quero ver como suporta me ver
tão feliz

sábado, 12 de janeiro de 2013

"creo que he visto una luz al otro lado del río"

Foi quando cruzei o outro lado do rio e entrei numa das salas de aula do colégio onde estudei - não mais com os olhos de aluna - mas com outros olhos. Esses, no princípio um pouco tímidos, tão ressabiados, tão cheios de angústias, de dúvidas. Lembro que um pouco antes, li, pra uma das cadeiras de Educação, um texto que falava sobre a construção da identidade docente ser feita na prática, pelas incertezas. Incerteza me lembrou um rio, dois lados, águas a atravessar.
Não tive dúvidas: Jorge Drexler ecoava na minha mente e eu podia sentir cada acorde entrando em sincronia com os meus pelinhos arrepiados - "En esta orilla del mundo lo que no es presa es baldío
Creo que he visto una luz al otro lado del río". E foi assim.
Enfrentei, ainda do outro lado do rio, as salas de aula da minha adolescência, com adolescentes tal qual os que eu era. Identificava em cada um daqueles jovens sentados nas carteiras, as características dos meus colegas do Ensino Médio. E buscava, em silêncio, no cantinho da sala, quase imperceptível, onde tudo isso tinha começado mesmo, e ainda como eu tinha parado na Faculdade de Letras, todos os caminhos que tinham me levado até lá.
Em um segundo, tanta coisa passava em minha mente. E eu, sentada do outro lado do rio, com olhinhos brilhantes, sendo quase invisível aos trintas e tantos outros pares de olhinhos.
No início, entrava na sala de aula e só sorria, encantada. Com o tempo fui me soltando, ameaçava falar algumas coisas, não sabia como me portar na frente dos tantos olhinhos (acho que ainda não sei, quem sabe saberei?) e ainda sujo completamente a minha roupa de giz.
Não sei quando eles começaram a ser um pouco meus, mas hoje eles tem um lugar aqui, só deles. Ainda me pergunto se eu fui algo para eles. Fora os materias que preparava, as provas que corrigia, as resenhas em que podia saber o jeito ímpar de cada um escrever - que eram as predileções dadas a mim pela bolsa de Monitoria Acadêmica - entrar nas salas de aula fez crescer lá dentro algo que eu não sabia o que era, e que eu não sei descrever.
Da primeira vez que me chamaram de sôra, pude entender a estrofe que diz "Oigo una voz que me llama casi un suspiro". Quando entendi esse quase suspiro, me dei conta que, depois de tanto remar, já estava no outro lado do rio. Tanta coisa fazia sentido, tanta coisa ainda não fazia sentido. Das certezas, só uma: não tinha mais volta.
Quis saber os nomes um a um (não decorei todos ainda!), mas me sentia tão feliz de juntar o par de olhinhos que me viam às letras impressas nos trabalhos que eu corrigia. Um universo era formado pra cada pessoinha: o que faziam, o que pensavam. Curiosa, será que o que eu pensava faz sentido?
Da primeira vez que fiquei sozinha com eles, meio às avessas, tive que inventar uma aula em cima da hora devido a imprevistos. Tadinhos, não guardo remorsos. Guardo só a lembrança dos meus nervos a flor da pele, de um frio na barriga imenso e do pensamento "- Nossa, eles até que foram queridos".
Não sei se algum aluno meu vai ler isso... Mas eu precisava dizer: hoje foi o último dia em que vi aquelas duas turmas de 2º ano juntas e, talvez, seja a última vez em que vou ser a profe deles. Eu queria, de verdade, que soubessem o quanto me apeguei a eles e o quanto esse distanciamento me dói, embora eu estivesse sempre nos camarotes, sem ser protagonista, mesmo sendo essencial.
Queria que eles soubessem que sempre lembrarei deles como os primeiros a me chamarem de profe, ou de sôra, ou sôra Aline.
Aqui fica o meu sincero obrigada por terem deixado em mim só lembranças boas das minhas primeiras vivências docentes.
E, se valer um conselho de tia, se acreditarem terem visto uma luz do outro lado do rio, remem até lá. Essa luz, ela existe.

Eu encontrei a minha.