sábado, 31 de maio de 2008

As Primeiras Azaléias


Na tarde cinza de maio, acontecem cenas por trás do vidro fechado da janela.
Sentado à escrivaninha, de frente para a janela, estou vendo uma cena. Dia cinza. Atrás do vidro da janela, estou vendo uma cena. Há um casal parado na calçada em frente. São muito jovens. Ele deve ter no máximo 25 anos, ela pouco menos. Estão bem vestidos, devem pertencer a alguma boa família dos Jardins. Não expio nada. Estou apenas sentado aqui, onde coturno sentar para escrever. A cena acontece no meu campo de visão, só poderia evitá-la saindo daqui. Mas quero ver.
Sobem devagar a ladeira. De repente param na frente da lojinha de surf. Ele encosta no muro. Usa óculos, tem as mãos nos bolsos. Ela fica andando pela calçada em frente à casinha azul, sob o letreiro “Waimea”, com arabescos que tanto podem lembrar ondas quanto gaivotas. Começo a prestar atenção no momento em que percebo: a garota está chorando. Ela chora e fala e gesticula muito enquanto chora.
São três e meia da tarde de domingo. Há uma garota chorando na calçada em frente ao meu apartamento. Faz frio. Um grupo de senhoras muito elegantes em suas peles e lãs sai do edifício ao lado. Mas não olham para o casal. Não sei se por essa educação paulistana, meio londrina, onde a aparente frieza disfarça cumplicidade e respeito — ou mera indiferença, pode ser. Afinal que importância tem uma garota chorando e um rapaz de óculos às três e quarenta e cinco da tarde de um domingo?
O rapaz agora caminha até um carro estacionado no meio- fio. Está de costas para mim. Tira as mãos do bolso. A garota tira o casaco — um casaco de jeans, forrado de pêlo de carneiro. Chega mais perto dele. Às vezes, ele ergue o rosto para o céu cinza. Há muita dor no rosto que ela ergue para o céu cinza. Ela tem o cabelo liso, comprido, castanho-claro, uma mecha mais loura do lado esquerdo. Ele tem o cabelo preto, bem curto. Ela chega mais perto dele. Ele tira os óculos, começa a limpar as lentes na barra do suéter.
Às vezes ficam parados. Quando ficam parados assim enquadrados pela moldura da minha janela, parecem uma fotografia. À esquerda esse edifício construído de perfil, com a pequena alameda que leva do portão de ferro até a portaria, muitas árvores e uma meia dúzia de azaléias bordô (das primeiras desta temporada). À esquerda, a lojinha de surf, toda azul, com um grafite ao lado da porta: o rosto que Alex Vallauri tinha. No centro, o carro onde está encostado o rapaz vestido em tons de cinza e a garota vestida em tons de azul. Quase quatro da tarde, só há cor nas azaléias e na fachada da lojinha de artigos de surf.
Ela ronda em volta dele, falando sem parar, chegando cada vez mais perto. Eu acendo um cigarro. Ela o abraça. Ele não se move, nem descruza os braços. Ele não se move enquanto ela o abraça cada vez mais forte. Ela começa a beijá-lo. Ele não recusa, apenas vira delicadamente o rosto para o lado onde a rua desce. Assim, ela só consegue beijá-lo no pescoço e na face. Na boca, não. Ela só pára de beijá-lo para afastar os cabelos do rosto e, de vez em quando, olhar o céu cinza.
Agora, ela afasta o rosto e fica abraçada nele. Da minha janela posso ver os braços dela cruzados às costas dele. Ele voltou a colocar as mãos nos bolsos. De repente, ela o toma pelo braço e começa a puxá-lo para cima, para onde a ladeira sobe. Ele caminha olhando para o chão. Ela joga o casaco nas costas, afasta os cabelos, levanta o rosto. Parece decidida. Eles começam a subir a ladeira. Até sumirem do quadrado da janela. Certamente, da minha vida também.
São quatro horas e cinco minutos. Não acontece mais cena alguma do lado de fora da minha janela. Talvez tome mais um café, fume outro cigarro, qualquer coisa assim. Foi exatamente há um ano, na lua cheia de maio. Depois, nunca mais. Por onde você tem andado, baby?

Caio Fernando Abreu
O Estado de S. Paulo, 13/5/1987

sexta-feira, 30 de maio de 2008

não é feitiçaria, é tecnologia

Minha vida:
bandida;
Meus sonhos:
insanos.

São salvos automaticamente
- de cinco em cinco minuto -
em rascunho

na memória do meu computador,
que apagou minha memória,

com um cavalo de tróia.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

estúpido: amor

O amor é estúpido. Eu, mais ainda. O amor me deixa estúpida, faz eu me jogar de abismos, me perder em meus passos e afogar-me em minhas lágrimas. A minha estúpidez deixa o amor estúpido, e mais nada. Nada além de uma estupidez, mórbida e ausente de juízo. O amor é um amontoado de sentimentos que não se diferenciam. O meu amor é eterno, já o alheio é efêmero: estúpido. E assim sou, estúpida e efêmera; facetada: alternando apenas o ângulo em que se vê. Sou um caleidoscópio de reflexos, mas não de cores, e sim de angústias e inseguranças. O amor me têm, a estupidez me consome - por consequência. O amor é estúpido e minha estupidez não se compara à estupidez do amor. A minha face é estúpida, o meu pranto é estúpido, e eu mais ainda - mais que todas as coisas do mundo multiplicadas por mil ou um milhão. E assim sou, sem tirar nem por, nada além da minha condição de estúpida, estúpida flor.

Então, estúpida, cala-te. Descansa tua voz rouca e somente chora, até o sol raiar tua estúpida agonia pelas frestas da porta do corredor.

sábado, 17 de maio de 2008

não é de minha autoria, mas essa é a minha saudade que dói

Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é a saudade. Saudade de um amigo que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade da amiga de 91 anos que morreu, do amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, que o tempo não perdoa. Doem essas saudades todas. Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar de um lado da praia e ele de outro, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o dentista e ela para a casa de alguém, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Contudo, quando o amor de um acaba, ou torna-se menor, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter. Saudade é basicamente não saber. Não saber mais se ele continua fungando num ambiente mais frio. Não saber se ela continua sem usar rosa por causa da mania da mãe de colocar rosa nela, quando era pequena. Não saber se ele ainda usa aquele boné. Não saber se ela foi na consulta como prometeu. Não saber se ela tem comido bem por causa daquela mania de estar sempre ocupada, se ele tem assistido as aulas ou só conversado, se aprendeu a entrar na Internet e responder os recados, se ela aprendeu a se acalmar nas horas difíceis; se ele continua não gostando de Amarula; se ela continua preferindo refri; se ele continua sorrindo com aqueles olhinhos apertados; se ela continua mexendo as pernas quando está nervosa; se ele continua detestando Mc Donald’s; se ela continua detestando carne; se ele continua amando; se ela continua a rir até em filmes de terror. Saudade é não saber mesmo!
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos; não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento; não saber como frear as lágrimas diante de uma música; não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber se ele está com outro, e ao mesmo tempo querer. É não saber se ele está feliz, e ao mesmo tempo perguntar a todos os amigos por isso... É não querer saber se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais saber de quem se ama, e ainda assim doer. Saudade é isso que senti enquanto estive escrevendo e o que você, provavelmente, está sentindo agora depois que acabou de ler...

sábado, 3 de maio de 2008

Sonho encantado, onde está você?

Ultimamente estou sonhando demais ou mais que o normal. Tenho sonhado com nuvens, neblimas e, principalmente, com pessoas. Pessoas distante, outras próximas, pessoas de outros tempos, outras do tempo presente e o que essas pessoas têm em como é sempre o sentimento e a herança que cada um deixa pra gente, incoscientemente. São pessoas queridas, e que fazem falta no dia-a-dia, querendo ou não. Sim, eu tenho saudade das pessoas e não do que eu tinha/tive com elas. É, às vezes é melhor parar antes do fim... Dói reviver demais. Dói saber que eu não falo de uma brincadeira e sim de vida real, de sentimento. Dói reviver o passado. Dói sentir saudade. Dói aqui dentro do meu peito...

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Tenho andado com saudades, confesso. Não só de pessoas, mas de coisas, músicas. Estou com saudades de outros tempos, tempos que não voltam mais. Me olho no espelho e sinto saudade de outras alines que eu já tive e, que assim como o tempo, também não voltam.
Acabo sempre na nostalgia. A nostalgia é o meu vício e a saudade não deixa de ser também. Hoje, peso pela ausência de uma Aline boba, porém feliz e que deu lugar à de hoje em dia. A maioria das coisas que me mantém felizes hoje são as lembranças do que se passou, e que eu espero viver novamente de formas diferentes.
Acontece que eu ando estranhando tantas coisas e estranhando a mim mesma. Na verdade, o ato nada fácil de crescer resulta nesses estranhamentos. Eu só sei que cada vez que eu entro no meu quarto ele parece menor e mesmo assim, eu não acho coisas nem nele nem dentro de mim mesma. E eu sei que o mundo é bem maior que o meu quarto, e eu tento (inutilmente) não me perder nesse mundo louco.
Já me perdi, mas to reencontrando tanta coisa no caminho. O que eu queria, é que de hoje em diante tudo durasse um pouco mais, e quanto mais eu peço, menos dura. Enfim, embora a minha estranheza seja momentânea, tenho tido dias felizes e melhores do que eu esperava.