quarta-feira, 23 de outubro de 2013

conversas hospitalares III

- E onde tu te alimenta na faculdade, Aline?
- RU, Restaurante Universidade.
Risos.
- Porque ri, doutor?
- Conheço bem como é essas coisas... Se eu fosse tu, por enquanto, evitava comer lá. Teu organismo tá frágil, teu estômago não tá legal.
- Ainda bem que quando a vigilância sanitária interditou eu tava internada.
- Sério isso?
- Sério.
- E na mídia não sai, né...
- Claro que não.

E se segue uma conversa sobre o papel da mídia, o sucateamento universitário e a situação dos RU's na UFRGS.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

ontem, na minha sexta visita ao médico dentro de um mês, esperando pra ser atendida na sala de espera do ambulatório do hospital, me deparo com uma menina no auge dos seus 17 anos prestes a fazer vestibular pra geografia. papo vai, papo vem, descubro que ela ia tirar os pontos da mesma cirurgia que fiz há um mês atrás. eis que ela me pergunta:
- e porque tu escolheu fazer letras?
nem lembro o que respondi, mas sei que não adiantaria responder nada.
nunca pensei que uma conversa na sala de espera do consultório médico fosse me fazer pensar tanto na vida. também não sabia que, no fundo, tinha tantas saudades dos meus 17 anos.
quanto ao porquê de ter escolhido as letras: desde ontem eu mesma me faço a mesma pergunta e ainda não achei uma resposta suficiente.

sábado, 5 de outubro de 2013

Atravessei setembro entre dias de chuva e frio e de calor e esquecimento. Não sei o quanto o sofrer influi em nossa abstração do mundo exterior, mas não vi o tempo passar. Sei que passou. Um mês atrás, um mês e tudo mudar.
Do inverno se fez primavera. Não vi vi os ipês florirem, nem senti o cheiro doce do polén pelas ruas. Do lado de cá, ouvi os sabiás cantarem e anunciarem a vida nova.
Eu, ainda limitada, queria apenas pedalar minha bicicleta pelas ruas da cidade, sentir o vento no rosto, o calor do sol na pele e celebrar a imensidão da tarde de sábado que vem, mas que não me invade daqui do lado de trás da janela.
Me senti pela primeira vez na vida só, impotente. Nos piores momentos, me vi sozinha. E a vida é isso mesmo, não é? Senti medo, confesso. Não tenho medo da dor, sou corajosa - é o que dizem, sempre. Não sei se acredito nisso, a menos que ser corajosa não significar que me rendo. Nos meus vinte quase vinte e um anos, não acredito em sorte. Queria pensar em justiça, em igualdade, mas não consigo. E um porque ecoa aqui dentro por alguns momentos, em outros penso no sentido disso tudo e quando percebo já perdi o fio da meada.
O mundo visto por dentro dos muros do hospital tem outro ritmo, parece. As horas, os dias, o silêncio passam todos diferente. Não sei se é porque a fragilidade da vida nos faz repensar muitas coisas, ou tudo isso é uma questão de prioridades.
Mas eu sigo, se for pra seguir. Mais forte do que nunca, foi o que prometi.

Alguns abraços, desde então, tem sido mais quentes, outros mais fortes, todos mais apertados. E as palavras mais sinceras.

Não tenho medo da dor. Tenho medo é da tristeza, de seguir sozinha.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

conversas hospitalares II

Ainda sobre os pontos & as cicatrizes:
- Tu gosta de praia, né?
- Gosto, bastante.
- Eu vi. E vai ser um problema...
- O que, doutor?
- Ficar três meses sem pegar sol nessas cicatrizes.
- Ah, se bem que três meses é janeiro. (Fazendo as contas com a mão.)
- Se pegar sol usa protetor cinquenta nelas, principalmente na grande, na do lado também, a do umbigo não precisa tanto...
- Mas o que tu viu, doutor?
- Vi essa marca de biquini aí. Ninguém tem marca de biquini em setembro, só quem gosta muito de praia.

conversas hospitalares I

Pós-cirurgia, retirando os pontos:
- Não olha nem se mexe - disse o médico.
Curiosa, não me mexi, mas olhei. Uma poça de sangue na região supra-pubiana, entre o umbigo e a vulva, quase transbordando.
- Vai doer um pouquinho...
- Hmm. Ai! Ah, nem dói tanto. Há coisas que doem mais.
- É, tipo tatuagem. Tu já fez tatuagem?
- Não, doutor. E o senhor tem tatuagem?
- Não. Se bem que agora vários homens se tatuam...
- Tem problema ser homem e ter tatuagem, doutor?
- Não, mas biologicamente, na resistência à dor, vocês,  mulheres, vão sempre ter vantagem.