sábado, 12 de janeiro de 2013

"creo que he visto una luz al otro lado del río"

Foi quando cruzei o outro lado do rio e entrei numa das salas de aula do colégio onde estudei - não mais com os olhos de aluna - mas com outros olhos. Esses, no princípio um pouco tímidos, tão ressabiados, tão cheios de angústias, de dúvidas. Lembro que um pouco antes, li, pra uma das cadeiras de Educação, um texto que falava sobre a construção da identidade docente ser feita na prática, pelas incertezas. Incerteza me lembrou um rio, dois lados, águas a atravessar.
Não tive dúvidas: Jorge Drexler ecoava na minha mente e eu podia sentir cada acorde entrando em sincronia com os meus pelinhos arrepiados - "En esta orilla del mundo lo que no es presa es baldío
Creo que he visto una luz al otro lado del río". E foi assim.
Enfrentei, ainda do outro lado do rio, as salas de aula da minha adolescência, com adolescentes tal qual os que eu era. Identificava em cada um daqueles jovens sentados nas carteiras, as características dos meus colegas do Ensino Médio. E buscava, em silêncio, no cantinho da sala, quase imperceptível, onde tudo isso tinha começado mesmo, e ainda como eu tinha parado na Faculdade de Letras, todos os caminhos que tinham me levado até lá.
Em um segundo, tanta coisa passava em minha mente. E eu, sentada do outro lado do rio, com olhinhos brilhantes, sendo quase invisível aos trintas e tantos outros pares de olhinhos.
No início, entrava na sala de aula e só sorria, encantada. Com o tempo fui me soltando, ameaçava falar algumas coisas, não sabia como me portar na frente dos tantos olhinhos (acho que ainda não sei, quem sabe saberei?) e ainda sujo completamente a minha roupa de giz.
Não sei quando eles começaram a ser um pouco meus, mas hoje eles tem um lugar aqui, só deles. Ainda me pergunto se eu fui algo para eles. Fora os materias que preparava, as provas que corrigia, as resenhas em que podia saber o jeito ímpar de cada um escrever - que eram as predileções dadas a mim pela bolsa de Monitoria Acadêmica - entrar nas salas de aula fez crescer lá dentro algo que eu não sabia o que era, e que eu não sei descrever.
Da primeira vez que me chamaram de sôra, pude entender a estrofe que diz "Oigo una voz que me llama casi un suspiro". Quando entendi esse quase suspiro, me dei conta que, depois de tanto remar, já estava no outro lado do rio. Tanta coisa fazia sentido, tanta coisa ainda não fazia sentido. Das certezas, só uma: não tinha mais volta.
Quis saber os nomes um a um (não decorei todos ainda!), mas me sentia tão feliz de juntar o par de olhinhos que me viam às letras impressas nos trabalhos que eu corrigia. Um universo era formado pra cada pessoinha: o que faziam, o que pensavam. Curiosa, será que o que eu pensava faz sentido?
Da primeira vez que fiquei sozinha com eles, meio às avessas, tive que inventar uma aula em cima da hora devido a imprevistos. Tadinhos, não guardo remorsos. Guardo só a lembrança dos meus nervos a flor da pele, de um frio na barriga imenso e do pensamento "- Nossa, eles até que foram queridos".
Não sei se algum aluno meu vai ler isso... Mas eu precisava dizer: hoje foi o último dia em que vi aquelas duas turmas de 2º ano juntas e, talvez, seja a última vez em que vou ser a profe deles. Eu queria, de verdade, que soubessem o quanto me apeguei a eles e o quanto esse distanciamento me dói, embora eu estivesse sempre nos camarotes, sem ser protagonista, mesmo sendo essencial.
Queria que eles soubessem que sempre lembrarei deles como os primeiros a me chamarem de profe, ou de sôra, ou sôra Aline.
Aqui fica o meu sincero obrigada por terem deixado em mim só lembranças boas das minhas primeiras vivências docentes.
E, se valer um conselho de tia, se acreditarem terem visto uma luz do outro lado do rio, remem até lá. Essa luz, ela existe.

Eu encontrei a minha.