sexta-feira, 21 de maio de 2010

Eu guardo muitas lembranças de bons momentos na memória, mas lembrança é uma coisa que com o tempo enche de pó, enche de neblina. Talvez seja por causa da seleção natural que minha mente faz que existam tantas cicatrizes pelas minhas pernas, braços, mãos e pés. Observar-me é como ler um livro de memórias meu, um antigo diário: a cada cicatriz lembro do momento, do gosto, do cheiro, das companhias e da dor que senti. A dor, é claro, é sempre o que mais marca e a sensação que mais dura, embora passe (e tudo sempre passa).
Tenho cortes profundos e outros superficiais, arranhões, fraturas, roxos, marcas de nascença e uma intensa história em quadrinhos nos meus joelhos. Contudo, o que mais me chama a atenção todo é a queimadura que carrego na panturrilha direita. Amarro os tênis, visto as calças, tomo banho e ela continua a me olhar. A me lembrar que amor queima, e é isso que penso (ou, como Camões, "Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer"). O que mais me toca é que fiz ela contigo, no escape da tua moto, enquanto a gente compartilhava um momento tão bonito quanto o nosso amor.
Sei que tenho andado meio fora de mim, mas passou. Tudo sempre passa. Toda vez que olho minha queimadura, penso que queimaria a perna de novo se preciso fosse pra ter de novo a felicidade que tive naquele e em tantos outros dias que me geraram tantos outros machucados. Minha queimadura me faz lembrar da parte que diz que "amor é dor que desatina sem doer", me faz lembrar de músicas felizes, de risadinhas no portão, de vento no rosto e da minha felicidade em tudo, tudo isso.
Sei que da minha perna ela não vai sair tão cedo (ou, quem sabe, nunca sairá). Enquanto isso ela permanece me fazendo lembrar que as lembranças sempre ficam mesmo que, e não é esse o caso, a gente finja que elas sumiram ou que nunca existiram.
Enquanto o esquecimento não chega, e sempre busco tardar essa chegada, continuo escrevendo minhas lembranças no meu livro de memórias e deixando lembranças em mim e pelo mundo. Assim, ao menos, de vez em quando lembro que coisas boas existiram e sorrio e transbordo a minha felicidade. Ser feliz não deixa de ser uma forma de se (re)fazer a felicidade.

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