terça-feira, 12 de novembro de 2013

Notas sobre uma doença invisível III

Tenho lido muito, pensado muito. Não lembro há quantos anos tive tantos momentos de introspecção. Não lembro também há quantos anos me sentia tão próxima da minha mãe. Descobrir-me doente me trouxe, apesar de tudo, coisas muito boas. Gostos que gosto de desfrutar lentamente, pouco a pouco, na boca.
Tenho unido forças pra voltar à rotina. Tenho preparado a mente e o corpo pra me adaptar a vida de antes, mas diferente do que eu era.
O corpo cansado pede trégua. Há dias melhores, há dias piores. Entre aprender a conviver com a dor e redescobrir meu próprio corpo, eu me descobri muito mais forte do que sempre pensei ser e é por isso que sigo. Amanhã é um novo dia e é preciso estar forte pro que tiver que ser. E o que tiver que ser, será.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Notas sobre uma doença invisível II

Hoje foi o dia em que todas as dores e náuseas já tão familiares nesses quase dois meses fizeram sentido. Foi hoje o dia em que descobri o que tenho. Ileíte. Depois de descartadas tantas possibilidades, tantos exames feitos, tantos possíveis graves diagnósticos, hoje tive um diagnóstico definitivo. Hoje confirmei pra mim e pro mundo que tudo isso que eu sentia não era invenção da minha cabeça. Eu, um dos casos mais complexos que meu médico já teve - segundo ele. Porque nada é pior do que convencer alguém de que se sente dor. Mais do que isso: nada é pior do que teu médico dizer que não entende porque tu sente dor. Hoje o mundo voltou a sorrir, voltou a fazer sentido.
Eu nunca senti tanto medo de abrir um envelope, pedi pro meu médico abrir e foi como se meu ser voltasse a órbita. Eu sei que é impossível ter a vida de dois meses atrás de volta porque muita coisa aconteceu, muita coisa me fez diferente e nem eu mais sou a mesma. Não sei quantos anos envelheci nesses últimos dois meses, mas me vi muito mais adulta e forte do que eu imaginei ser.
Melhor do que ter alta hospitalar é saber o que se tem. Hoje vou deitar a cabeça no travesseiro e dormir sossegada. Não quero a minha vida de dois meses atrás de volta, só quero ficar bem outra vez, fazer tudo que eu fazia outra vez e sei que isso tá cada vez mais perto. Pode ser que seja pra toda a vida, pode ser que eu tenha crises, pode ser que sempre precise de medicação, mas aquele engodo passou. O choro contido e guardado na garganta desde a última internação, duas sextas-feiras atrás, foi embora.
Agora é hora de florir primavera e esperar o verão chegar aqui dentro.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

conversas hospitalares III

- E onde tu te alimenta na faculdade, Aline?
- RU, Restaurante Universidade.
Risos.
- Porque ri, doutor?
- Conheço bem como é essas coisas... Se eu fosse tu, por enquanto, evitava comer lá. Teu organismo tá frágil, teu estômago não tá legal.
- Ainda bem que quando a vigilância sanitária interditou eu tava internada.
- Sério isso?
- Sério.
- E na mídia não sai, né...
- Claro que não.

E se segue uma conversa sobre o papel da mídia, o sucateamento universitário e a situação dos RU's na UFRGS.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

ontem, na minha sexta visita ao médico dentro de um mês, esperando pra ser atendida na sala de espera do ambulatório do hospital, me deparo com uma menina no auge dos seus 17 anos prestes a fazer vestibular pra geografia. papo vai, papo vem, descubro que ela ia tirar os pontos da mesma cirurgia que fiz há um mês atrás. eis que ela me pergunta:
- e porque tu escolheu fazer letras?
nem lembro o que respondi, mas sei que não adiantaria responder nada.
nunca pensei que uma conversa na sala de espera do consultório médico fosse me fazer pensar tanto na vida. também não sabia que, no fundo, tinha tantas saudades dos meus 17 anos.
quanto ao porquê de ter escolhido as letras: desde ontem eu mesma me faço a mesma pergunta e ainda não achei uma resposta suficiente.

sábado, 5 de outubro de 2013

Atravessei setembro entre dias de chuva e frio e de calor e esquecimento. Não sei o quanto o sofrer influi em nossa abstração do mundo exterior, mas não vi o tempo passar. Sei que passou. Um mês atrás, um mês e tudo mudar.
Do inverno se fez primavera. Não vi vi os ipês florirem, nem senti o cheiro doce do polén pelas ruas. Do lado de cá, ouvi os sabiás cantarem e anunciarem a vida nova.
Eu, ainda limitada, queria apenas pedalar minha bicicleta pelas ruas da cidade, sentir o vento no rosto, o calor do sol na pele e celebrar a imensidão da tarde de sábado que vem, mas que não me invade daqui do lado de trás da janela.
Me senti pela primeira vez na vida só, impotente. Nos piores momentos, me vi sozinha. E a vida é isso mesmo, não é? Senti medo, confesso. Não tenho medo da dor, sou corajosa - é o que dizem, sempre. Não sei se acredito nisso, a menos que ser corajosa não significar que me rendo. Nos meus vinte quase vinte e um anos, não acredito em sorte. Queria pensar em justiça, em igualdade, mas não consigo. E um porque ecoa aqui dentro por alguns momentos, em outros penso no sentido disso tudo e quando percebo já perdi o fio da meada.
O mundo visto por dentro dos muros do hospital tem outro ritmo, parece. As horas, os dias, o silêncio passam todos diferente. Não sei se é porque a fragilidade da vida nos faz repensar muitas coisas, ou tudo isso é uma questão de prioridades.
Mas eu sigo, se for pra seguir. Mais forte do que nunca, foi o que prometi.

Alguns abraços, desde então, tem sido mais quentes, outros mais fortes, todos mais apertados. E as palavras mais sinceras.

Não tenho medo da dor. Tenho medo é da tristeza, de seguir sozinha.