terça-feira, 25 de março de 2014


Porque, há muito, eu erro a mão. A dose. Esqueço a receita do equilíbrio. O quanto uso das partes que brigam dentro de mim. Há muito, eu me confundo. Porque metade não tem medo e levanta os braços, na descida da montanha-russa. Olhos abertos, enquanto outra acha melhor enfrentar a queda com as mãos na barra. Segurando forte. Espremendo os dois olhos, fechados, desde o começo do percurso. Das travas descidas sobre a barriga. Porque metade prefere brincar na beira da praia. No raso. Enquanto outra não vê problemas em pular dezenas de ondas e nadar onde a pequena bandeira vermelha, agitada pelo vento, avisa sobre o risco. Sobre a possibilidade de afogamento. Porque, há muito, eu erro a receita do equilíbrio. Uso a parte que não deveria na hora em que não poderia. Me confundo com as metades que brigam dentro de mim. Porque parte acelera na estrada, no momento da curva fechada. Pé direito até o fim, enquanto outra freia, bruscamente, ao ver a primeira placa. Seta torta, avisando sobre o perigo. Metade não suporta a burrice, a pequenez, a lerdeza. Outra, sempre calada, tolera a banalidade. Engole a ignorância. Convive com a mediocridade. Há muito, eu erro a mão. A dose. Me confundo com o que devo usar. Porque metade briga. Explode. Aponta o dedo na cara, enquanto outra se recolhe, quieta, debaixo da cama. No quarto fechado. No tudo escuro. Eu tenho uma metade que berra. Outra que sussurra. Uma parte que acredita em finais felizes. Em beijo antes dos créditos, enquanto outra acha que só se ama errado. Eu tenho uma metade que mente, trai, engana. Outra que só conhece a verdade. Uma parte que precisa de calor, carinho, pés com pés. Outra que sobrevive sozinha. Metade auto-suficiente. Mas, há muito, eu erro a mão. A dose. Esqueço a receita do equilíbrio. Me perco. Há dias em que uso a metade que não poderia. Dias em que me arrependo de ter usado a que não gostaria. Porque elas brigam dentro de mim, as metades. Há algumas mais fortes. Outras ferozes. Há partes quase indomáveis. Metades que me fazem sofrer nessa luta diária. No não deixar que uma mate a outra.

(Eduardo Baszczyn)

*da série de coisas que eu gostaria de ter escrito.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Traumas sempre deixam cicatrizes, nos seguem até nossa casa, mudam nossas vidas. Traumas derrubam a todos, mas talvez essa seja a razão: toda a dor, todo o medo, todas as besteiras... Talvez viver isso é o que nos faz seguir adiante. É isso que os impulsiona. Talvez precisemos cair um pouco pra nos levantar novamente.
(Alex Karev, Grey's Anatomy)


eu quero as luzes da rua acessas
saber que posso abrir a porta, dar passos quietos
e sem açoito algum poder voltar.

ter um porto-seguro, um conforto,
no meio da noite vazia, ou na tempestade;
um lugar pra repousar meu amor
e esperar o que há de ruim passar.
Não sinto fome.
Sinto na boca essa sede amarga dos teus lábios doces.

Que eu não sabia que tinha, que não sabia que vinha,
que chegou seilá de onde, sei nem por quê.

Me trouxe lembranças boas de dentro da gaveta da memória.
Essas tão escondidas, nem lembrava delas mais.

Me fez menina, me fez ter planos,
depois me fez mulher outra vez.

Me desassossegou, me virou do avesso,
me deixou nua e não tive medo.

Dormi o sono dos justos e quando acordei, tive certeza:
senti saudades de sentir saudade.

Recomeçar

Do inverno de fez primavera, da primavera se fez verão. Aqui dentro e lá fora. Talvez não faça sentido, mas nos últimos seis meses vivi todas essas estações. Um outono chegou, não sei o que ele me reserva. Que seja dourado, que seja ensolarado e aconchegante. Que tenha gosto de chá e sensação de coberta no pé sem meia. Espero que seja pra sempre. Não quero outro inverno, não agora. Também não preciso de mais dias sombrios. Mas é preciso disso. Precisa-se dos dias sombrios e frios, em que a garoa cai fina e o vento assovia lá fora, para que o recomeçar aconteça.